domingo, 17 de julho de 2011

Jornal Público - Notícias dos hospitais / José Queirós - Provedor do Leitor

Para ser esclarecedora, a informação deve ser completa
(Crónica da edição de 17 de Julho de 2011)

1. Na passada terça-feira, 12 de Julho, foi colocada no Público Online uma notícia da agência Lusa, na qual, sob o título "HUC pedem ajuda a Espanha nos transplantes hepáticos pediátricos", se lê que os Hospitais Universitários de Coimbra (a única instituição nacional onde se fazia esse tipo de intervenção) vão firmar um acordo de colaboração com um hospital madrileno para poderem garantir a continuidade das operações de transplante, interrompidas — segundo se refere na entrada da peça — "devido ao abandono do cirurgião responsável".
Diz-se na notícia que esta situação, que estará naturalmente a afligir os pais de crianças que necessitem de um transplante do fígado, resulta do facto de nenhum membro da equipa coordenada por esse cirurgião ser capaz de assegurar a continuidade das intervenções, porque — nas palavras da única fonte citada, o presidente da administração dos HUC, Fernando Regateiro — "não houve formação, não houve preparação de alternativas". E acrescenta-se que o médico em causa, Emanuel Furtado, que parece ser o único cirurgião especializado e experiente nesta área, "se comprometera a assegurar os transplantes hepáticos até (...) Setembro", mas "na última semana declinou uma cirurgia por partir de férias para o estrangeiro".
Numa extensa carta que me enviou, Emanuel Furtado afirma que a notícia contém várias "afirmações que são falsas". Rejeita a ideia de "abandono" dos HUC ou dos transplantes pediátricos (" fui contratado, após concurso público, por outra instituição pública"), diz ser falso ter assumido qualquer compromisso até Setembro ("tinha avisado [...] que iria sair em Julho"), alega nunca ter dirigido a equipa de transplantes hepáticos e garante que a falta de "formação" e "preparação de alternativas" — que reconhece e para a qual diz ter alertado há muito —, "é da responsabilidade do Conselho de Administração presidido por Fernando Regateiro e do director que esse conselho nomeou, há anos, para dirigir a actividade de transplantação hepática". Conclui que o artigo é "enganador" e serve "o objectivo de Fernando Regateiro, (...) de alijar responsabilidades" neste domínio, transferindo para si o ónus da lamentável situação criada.

Não é preciso conhecer toda a história deste caso para se perceber que à notícia em causa faltou o elemento essencial do contraditório. Nestas condições, não é possível ao leitor que foi "informado" de uma só versão, (que lhe é apresentada como uma descrição objectiva dos factos), e que agora toma conhecimento da existência de uma versão contrária (que o jornal ignorou), sentir-se esclarecido sobre um tema de inegável interesse público. Chama-se a isto mau jornalismo. O facto de a notícia ter origem na Lusa não é relevante: uma vez divulgada numa edição do PÚBLICO, é uma notícia da responsabilidade editorial do PÚBLICO. A não ser eficazmente corrigido, o mau hábito de colocar apressadamente em linha notícias elaboradas fora da redacção, sem que os responsáveis por alimentar a edição on line assegurem o cumprimento de regras básicas de validação e respeito pelo contraditório, afectará crescentemente a credibilidade do jornal.

Mais uma vez, também, de nada terá servido a possibilidade oferecida aos leitores de alertarem para eventuais erros de informação nas caixas de comentários às notícias. Neste caso, o próprio Emanuel Furtado enviou uma mensagem a desmentir o conteúdo da peça. E outros leitores apontaram faltas de rigor e isenção, e chamaram a atenção para o facto de a saída do cirurgião dever ser enquadrada no contexto de problemas internos nos HUC que justificariam uma averiguação jornalística. No entanto, a notícia permanece inalterada no Público Online e o jornal não desenvolveu o tema na edição impressa. Fica a sensação, como já referi na minha crónica do passado dia 3, de que "ninguém ouve o que dizem os leitores".
Tendo publicado a notícia como a publicou, o jornal tem agora o dever, na minha opinião, de procurar a verdade entre versões contraditórias e esclarecer os seus leitores sobre os motivos do desaparecimento (espera-se que provisório) de uma valência única e pioneira no sistema hospitalar português, e acerca do que pensam as autoridades da saúde fazer para o remediar. É para informar de forma completa e rigorosa, e não para transmitir mensagens parciais entre partes desavindas, que deve servir o bom jornalismo.

José Queirós


....... a carta de Emanuel Furtado
O presente artigo, intitulado "HUC pedem ajuda a Espanha nos transplantes hepáticos pediátricos" padece de grave falta de qualidade e rigor porquanto transmite, por uso inadequado de palavras e expressões, e por falta de rigor por não terem sido confirmadas afirmações que são falsas. Assim, desde logo, no subtítulo, a palavra "abandono", inevitavelmente carregada de sentido pejorativo, não deveria ter sido utilizada. De facto não abandonei os HUC e muito menos a transplantação hepática pediátrica, que voluntariamente, com sacrifício pessoal e profissional, assegurei, até Junho. Não havia, nem há, qualquer obrigação contratual, ética ou moral para o fazer. Pedi a exoneração dos HUC, há mais de 6 meses, por razões que poderiam ter sido indagadas pelo jornalista, e fui contratado, após concurso público, por outra instituição pública. Tinha avisado os directores clínicos dos HUC e HP/CHC que iria sair, em Julho de 2010. Da mesma forma a frase " nenhum membro da sua equipa foi capaz de assegurar a continuidade da transplantação, porque "não houve formação, não houve preparação de alternativas", é enganadora porque pressupõe a existência de uma equipa de transplantação hepática dirigida ou de alguma forma gerida por mim, o que é totalmente errado. Nos HUC existe, desde sempre, uma equipa conjunta de transplantação hepática de adultos e crianças, que nunca dirigi, e cujos destinos nunca pude determinar. De facto "não houve formação, não houve preparação de alternativas" mas isto é da responsabilidade do Conselho de Administração presidido por Fernando Regateiro e do director que esse conselho nomeou, há anos, para dirigir a actividade de transplantação hepática dos HUC. Não deveria o artigo transmitir a ideia, como me parece fazer, de que essa responsabilidade foi minha, sendo que há anos venho alertando os responsáveis para a necessidade de formação de cirurgiões e de outros grupos profissionais envolvidos nesta actividade. No artigo são também feitas afirmações falsas, que facilmente poderiam ter sido "verificadas" pelo jornalista: É falso que me "comprometera a assegurar os transplantes hepáticos pediátricos de urgência até ao próximo mês de Setembro". Seria facilmente verificável que me tinha comprometido a assegurar situações, aliás bem tipificadas e que não incluíam o caso presente, em documento datado de Fevereiro, no qual o jornalista poderia também ter verificado que estava então já expressa a necessidade de os HUC indicarem quem, na minha ausência - desde logo no dia a dia, por estar a exercer funções noutra instituição - me deveria substituir, pelo menos para atender aos problemas mais imediatos que podem surgir no pós-operatório precoce. É falso que "os HUC têm feito deslocar alguns (cirurgiões) para estágios numa unidade do Reino Unido". Foi, há dias, um único cirurgião. Parece-me, salvo melhor opinião, que o presente artigo, pela forma e conteúdo - falso, algum - conseguiu cumprir o objectivo de Fernando Regateiro - o verdadeiro e principal responsável pela situação a que se chegou - de alijar responsabilidades e transferir o respectivo ónus para mim. O artigo não é por isso informativo. É quando muito, enganador.

15 de Julho de 2011

Emanuel Furtado

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