domingo, 25 de setembro de 2011

Um texto do Sr. Prof. Alexandre Linhares Furtado

A propósito de uma opinião médica

Dimensão da Experiência Cirúrgica e Resultados

Recentemente, vi escrita a seguinte afirmação: ”Não faz sentido um doente ser operado a uma patologia complexa do fígado por equipas cirúrgicas que fazem - e vou ser muito benevolente -10 ou 12 dessas cirurgias por ano”. Quem a fez tem tido importantes responsabilidades médicas e confessa grandes potencialidades de influência em decisões na Saúde.

A opinião não é inteiramente verdadeira, não foi seriamente fundamentada nem explicada, dirigia-se a um público não médico e o número referido coincide com o que se refere à transplantação pediátrica em Portugal (11 por ano), que só se pratica em Coimbra e desde 1994.

Não havendo, no país e em média por ano, mais que 10 a 12 crianças candidatas a transplante de fígado, parece inevitável concluir-se que, se a opinião citada fosse sempre verdadeira, nenhuma equipa portuguesa deveria realizar ou ter realizado tais transplantes, sob pena de incorrer em grave falta ética! Ou seja, se um governo se orientasse por aquela afirmação, teria de proibir a prática dos transplantes hepáticos pediátricos no país, do que teria resultado a morte de muitas crianças !!!

Vejamos, resumidamente, alguns factos, que o opinante tem obrigação de conhecer muito bem:

1º no país, o transplante pediátrico de fígado iniciou-se em 15 de Janeiro de 1994 , nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) que foi sempre o único centro a praticá-lo, por consenso nacional.

2º desde aquela data, realizaram-se em Portugal, em devotada cooperação entre os HUC e o Hospital Pediátrico de Coimbra, 189 transplantes em crianças, dos quais 23 com enxerto de dador vivo.

3º os transplantes com dador vivo não chegam a 3 por ano, isto é, menos de 1/4 do número “mágico” benevolamente estipulado pelo autor da afirmação.

4º creio que a colheita de fígado em dador vivo é o procedimento com mais alta responsabilidade técnica e ética solicitável a um cirurgião.

5º nos 25 casos efectuados nos HUC, em 10 anos, não houve uma única complicação grave e essa cirurgia não foi levada a cabo por qualquer outra equipa nacional.

6º a sobrevida real nos transplantados hepáticos pediátricos, aos 10 anos (crianças transplantadas há 10 ou mais anos) é de 85,8%, inteiramente sobreponível à de um dos melhores, se não o melhor centro europeu de transplantes pediátricos (St Luc, Bruxelas) e ligeiramente superior à de importante grupo americano (UNOS) .

Comentários: A sobrevida dos doentes foi o único parâmetro considerado pelo autor daquela afirmação, para justificá-la. Com efeito, as sobrevidas a vários prazos, são, isoladamente, o dado mais importante para avaliar a segurança duma prática daquela grandeza.

Os dados existentes obrigam a considerar, objectiva e indubitavelmente, que:

1º- a segurança com que as crianças têm sido transplantadas ao fígado, em Coimbra, é igual às dos melhores centros estrangeiros. Esta realidade foi precocemente reconhecida em alguns desses centros, que reenviaram doentes erradamente aconselhados a irem transplantar-se fora do país.

2º- as casuísticas pequenas são compatíveis com resultados tão bons ou mesmo melhores que os das experiências com grande volume de casos.

3º- não há razões técnicas médicas, minimamente sérias, para enviar crianças (ou adultos) para centros estrangeiros,em tudo o que se refere a transplantes de órgãos abdominais, incluindo os de fígado, mesmo com dador vivo (único centro, HUC, desde 2000).

4º- em minha opinião, a interrupção dos transplantes hepáticos nas crianças no país é lamentável, teve, como causas fundamentais, gravíssimos erros administrativos, mas pode ser corrigida.

Coimbra, 22/09/2011

A.J. Linhares Furtado

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