sexta-feira, 11 de maio de 2012

CAPÍTULO II

O DIAGNÓSTICO

O pesadelo iniciou-se, as picadelas das agulhas

começaram sem tréguas e a tortura instalou-se majestosamente.

Nem todos nos hospitais têm a sensibilidade suficiente

para lidar com crianças, especialmente bebés de meses e que

necessariamente têm veias muito finas e de difícil tacto! Algumas

das enfermeiras que picavam o Vitinho (para as colheitas de

sangue permanentes), quase que preferiam picarem-se a elas

próprias, a causar esse sofrimento, mas outras não, era mais

picadela menos picadela!

No Hospital São Sebastião os exames sucederam-se, mas

ninguém chegava a nenhuma conclusão! Cada médico que via o

nosso filho, via ali um caso raro e uma oportunidade de estudar

um caso clínico diferente. Especialmente por isto, os exames

repetiam-se e cada um queria por si próprio ter a certeza que as

análises eram assim ou eram assado!

Entretanto a Sissi foi tendo acesso aos dados, percebeu

que nos tinha de colocar “nas mãos” de uma determinada

hepatologista pediátrica e foi por essa ‘enorme’ razão que

conhecemos a Dra. Ermelinda do Hospital Maria Pia, no Porto.

Como já referi, o tempo estava a contar e ao tomar esta

decisão, a Sissi sem ter ainda essa consciência, tinha acabado de

salvar a vida do nosso filho…

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Só que, azar dos azares, a Dra. Ermelinda estava de saída

para um congresso em Paris, mas disse-nos logo que o Vitinho

tinha de ser internado, mas não num sítio qualquer, teria de ser e

parafraseando-a, com a “sua Mestra” a Dra. Margarida Medina

do Hospital Santo António!

Chegados ao Santo António, começaram novamente os

exames e tudo aquilo que levávamos da Feira ficou prejudicado!

Também lá deparámos com os dois lados da nossa medicina, o

lado brilhante e o lado medíocre, por exemplo, uma médica

poucos minutos depois de dar um clister ao Vitinho, tentou

meter-lhe um supositório de paracetamol, isto perante o nosso

olhar incrédulo!

Felizmente, foi também no Santo António, que

começámos a conhecer outra vertente da medicina portuguesa, o

lado dedicado, competente e inerente a quem faz algo por missão!

A Dra. Margarida Medina foi um anjo que nos apareceu!

Houve imediatamente uma empatia mútua, ela compreendeu-nos

colocou-se do nosso lado e viveu o nosso drama, como se nos

conhecesse há séculos.

Só que o estado do Vitinho nunca melhorou, o sangue não

coagulava, a icterícia era cada vez mais alarmante e foi nessa

altura que começámos a ouvir falar de transplantação hepática!

O estado de saúde do nosso filho era este, dava-se um passo em

frente e logo imediatamente, três atrás!

Sempre que era necessário efectuar colheitas, o que

acontecia todos os dias, gelava-nos o coração ao vermos o seu

sofrimento. Era picada atrás de picada, muitas vezes com a

agulha espetada “esburacavam” à procura da veia, era espetar,

tirar, voltar a espetar e o sangue, nada! Desistiam, estudavam o

pescoço, voltavam a espetar no braço, enfim, um desespero!

Muitas vezes tínhamos de colaborar na tortura… como

ele ainda mamava, deixávamo-lo agarrar-se à mama da Mãe e

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assim conseguia-se “trabalhá-lo” de forma mais eficaz. Este

método acabou por ser utilizado, com grande frequência, nas

ecografias, enfim, numa série de situações que obrigavam o

Vitinho a estar quieto. Alguns dos técnicos de saúde, por vezes,

olhavam-nos com desdém, mas depressa percebiam que o

método funcionava e acabavam por “entrar no jogo”.

A maior parte desses técnicos parecia não ter bem noção

do que estávamos a passar! Vendo ‘a coisa’ a esta distância,

ocorre-me que, não seria descabido colocar também na ficha

clínica uma cronologia dos factos, incidentes e tentativas! Devia

aparecer, “tirou sangue para análises às tantas horas”, só à “nona

picadela acertaram na veia”, depois “fizeram uma ecografia, mas

estiveram uma hora num corredor à espera do médico, depois

veio o médico e trocaram a ficha e esqueceram-se do paciente e

ainda depois, mediante a insistência dos pais é que perceberam o

que tinha acontecido, ao fim de três horas regressaram da

ecografia e almoçaram”. “Veio um pico de febre e foi necessário

picar novamente o pequenito, desta vez não correu muito mal, à

sexta tentativa lá conseguiram tirar o sangue”, etc, etc.

Se os técnicos de saúde percebessem a cronologia de

alguns destes dias, talvez tivessem outra atitude perante

situações idênticas! Talvez respeitassem mais a Mãe que não se

coibiu de colocar o seu peito ‘de fora’ para assim aconchegar o

seu filho que necessitava desesperadamente da sua protecção

quando alguém o martirizava do outro lado. Esta crítica não é

merecida por muitos dos profissionais de saúde que lidaram

connosco, mas faço-a, porque esses, os que não a merecem,

provam-no no ‘dia a dia’ quem são e como são, e esses de certeza

que não se sentirão atingidos! Nós não éramos um caso especial,

éramos apenas mais um caso que merecia toda a atenção e esse

é o comportamento normal, o correcto perante a vida.

Enfim, conforme o pesadelo se ia apoderando das nossas

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vidas, conforme os testes e exames iam mostrando as suas

verdades, fomos sabendo quem era o nosso inimigo mortal, um

somatório de problemas, mais precisamente, Citomegalovírus

(1), Défice de Alfa1 Antitripsina (2) e absoluta intolerância às

proteínas, ou seja, uma Doença do Ciclo da Ureia (3)!

A icterícia ia “ganhando cada vez mais terreno” e a

coagulação do sangue era nula.

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